1. Introdução
Uma das mais auspiciosas passagens do Antigo Testamento é este versículo do livro do profeta Ezequiel: Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos e guardeis os meus juízos e os observeis. Ou numa versão moderna: Vou pôr o meu Espírito em vocês e farei com que obedeçam fielmente às minhas leis e aos mandamentos que lhes dei. Ezequiel 36:27
Os crentes israelitas do Antigo Testamento viviam em constante inquietação, ou, pelo menos, a religião que praticavam estava longe de os trazer felizes. O facto é que tinham consciência de transgredirem constantemente os princípios da sua religião. Apesar de toda a revelação avançada que iam recebendo, e lhes dava uma ideia de Deus superior às ideias dos outros povos, Deus era ainda um conceito, uma ideia que tinham na cabeça, mas não uma realidade da sua convivência diária. Era natural que mantivessem algumas ideias inadequadas trazidas do paganismo e continuassem a pensar em Deus como uma espécie de Polícia do Universo, um Polícia incorrupto, é certo, mas ainda o “Deus lá em cima”, a vigiar o homem, a ver todas as suas falhas, e a castigar os pecadores. Não se via como castigou o povo com o grande sofrimento nacional que foi a invasão babilónica em 597, seguida do cativeiro? É durante esse período de dor e humilhação que Ezequiel, sacerdote e profeta, anuncia a Palavra de Deus. Mas essa fase da compreensão incompleta de Deus era uma fase inevitável na história do Povo de Deus, que, entretanto, não obstante o conceito severo que tinha de Deus, mantinha, paralelamente, lugar para a esperança: a memória da peregrinação do Egipto, a terra do cativeiro, para Canaã, terra da liberdade, era o símbolo desta caminhada da escravidão para a liberdade. No meio de todo o sofrimento, o povo israelita encontrava forças para levantar a cabeça e confiar no futuro que Deus preparava. Ezequiel, como Isaías, como Jeremias, como Daniel, Joel e os outros profetas, são homens que têm como missão apresentar ao povo a visão de um tempo em que a vontade santa e justa de Deus será cumprida.
Entre os estudos que têm sido feitos sobre o livro do profeta Ezequiel, há acordo no reconhecimento de que não só o versículo 27 do capítulo 36 mas todo o conjunto dos capítulos 33 a 37 anunciam a restauração do povo de Deus, depois do sofrimento resultante da desobediência. O Senhor não estará para sempre irado com o Seu povo mas promete um futuro em que tirará dos corpos dos Seus filhos o coração de pedra e dará um coração de carne. É a mudança profunda, interior, do homem que aqui é prometida. Não se trata de Deus requerer dos homens que mudem o seu comportamento para merecerem ser povo de Deus, mas, espantosamente, é Deus que promete mudar o coração do homem para que então ele possa mudar o comportamento, cumprir a vontade de Deus. Isso acontecerá quando o Espírito de Deus (Ruah Iahweh) estiver unido ao homem.
É bem claro que o primeiro destinatário da promessa é o povo de Israel como um todo, como se vê em Ezequiel 36:1. Parte desta profecia não demorou a ser cumprida. Essa parte refere-se ao regresso do povo israelita, saindo da Babilónia, à sua terra, a reconstrução do templo e a adoração a Deus em celebrações conjuntas. Mas é óbvio que a profecia não encontrou o seu cumprimento total e mais exultante no Antigo Testamento. Não houve nenhuma época antiga em que se pudesse dizer que a religião da Lei fosse substituída pela Religião do Espírito. O povo judeu, que ainda no nosso tempo continua firme na Aliança que considera única (de Abraão, retomada depois por diversas vezes), espera ainda o Messias e, supomos, esperará que então será um tempo em que o Espírito de Deus habitará nos crentes, como promete a profecia de Ezequiel, aliás igual a Jeremias 31:31/34.
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